segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Resumo dos textos

Tecnologias Intelectuais e modos de conhecer: nós somos o texto.

Nós somos o texto, na medida que utilizamos nossas experiências intelectuais e vivências de vida, no processo de leitura e releitura, para o entendimento do texto. É importante estarmos abertos e nos deixar levar pelos caminhos das palavras, da semântica, da ortografia e de todas as formas tecnológicas intelectuais para a compreensão das ideias.

Informática na educação: instrucionismo X construcionismo.

Considerando que a tecnologia é uma linguagem universal , fazendo parte do dia a dia de todos, a informática vem contribuindo no processo de ensino-aprendizagem, como uma ferramenta de grande importância educacional no desenvolvimento cognitivio, na solidificação de conceitos e principalmente no despertar de interesses para novos conhecimentos.

É necessário o preparo do professor/mediador, para que ele tenha clareza, domínio do conhecimento e segurança na condução de práticas instrucionais e construcionais que fazem parte desse processo.

Maria de Fátima Bacelar

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Informática na educação: instrucionismo x construcionismo. José Armando Valente


A utilização do computador como um recurso técnico pedagógico para auxiliar o docente no seu processo de ensino- aprendizagem deve respeitar a prática e o planejamento escolar.
É um grande desafio a implementação do computador em tal processo na comunidade escolar, onde estão inclusos a direção escolar, a equipe pedagógica, os docentes, discentes e a família.
A existência de um programa de computador em sala de aula facilita a atividade de depuração do discente, onde o programa descreve as ideias deles em uma linguagem simples, precisa e formal. A facilidade dos comandos e dos termos que são utilizados diariamente no cotidiano escolar minimiza a arbitrariedade das convenções de linguagem.
Citando Papert, 1986, Valente relata que o construcionismo baseia – se na prática e no auxílio da construção do conhecimento utilizando a informática como ferramenta estimulando a curiosidade, criatividade na busca de um novo significado.


Palavras – chaves: Prática pedagógica, Processo ensino-aprendizagem, Cotidiano escolar

Atividade 19 de setembro

Caros Alunos,

Nosso objetivo hoje é discutirmos os conceitos sobre informática para educação e para isso utilizaremos nosso blog.

Apresentamos 3 textos que servirão de base para a discussão de cada grupo (3 ou 4 pessoas cada). Identique os conceitos no texto de maior relevância para o curso de formação.

A partir do resultado de cada discussão pedimos que cada grupo publique um pequeno resumo em nosso blog.

Segue os textos

Atenciosamente,
Equipe do LIpE

Informática na educação: instrucionismo x construcionismo

José Armando Valente

O que é informática na educação?

O termo "Informática na Educação" tem assumido diversos significados dependendo da visão educacional e da condição pedagógica em que o computador é utilizado. Os pesquisadores do NIED e do CED têm atuado segundo uma abordagem de uso do computador na educação onde o termo "Informática na Educação" significa a inserção do computador no processo de aprendizagem dos conteúdos curriculares de todos os níveis e modalidades de educação.
A Informática na Educação que estamos tratando enfatiza o fato de o professor da disciplina curricular ter conhecimento sobre os potenciais educacionais do computador e ser capaz de alternar adequadamente atividades tradicionais de ensino-aprendizagem e atividades que usam o computador. No entanto, a atividade de uso do computador pode ser feita tanto para continuar transmitindo a informação para o aluno e, portanto, para reforçar o processo instrucionista, quanto para criar condições para o aluno construir seu conhecimento por meio da criação de ambientes de aprendizagem que incorporem o uso do computador.

A abordagem que usa o computador como meio para transmitir a informação ao aluno mantém a prática pedagógica vigente. Na verdade, o computador está sendo usado para informatizar os processos de ensino que já existem. Isso tem facilitado a implantação do computador na escola pois não quebra a dinâmica por ela adotada. Além disso, não exige muito investimento na formação do professor. Para ser capaz de usar o computador nessa abordagem basta ser treinado nas técnicas de uso de cada software. No entanto, os resultados em termos da adequação dessa abordagem no preparo de cidadãos capazes de enfrentar as mudanças que a sociedade está passando são questionáveis. Tanto o ensino tradicional quanto sua informatização preparam um profissional obsoleto.

Por outro lado, o uso do computador na criação de ambientes de aprendizagem que enfatizam a construção do conhecimento apresenta enormes desafios. Primeiro, implica em entender o computador como uma nova maneira de representar o conhecimento provocando um redimensionamento dos conceitos já conhecidos e possibilitando a busca e compreensão de novas idéias e valores. Usar o computador com essa finalidade requer a análise cuidadosa do que significa ensinar e aprender bem como demanda rever o papel do professor nesse contexto. Segundo, a formação desse professor envolve muito mais do que prover o professor com conhecimento sobre computadores. O preparo do professor não pode ser uma simples oportunidade para passar informações mas deve propiciar a vivência de uma experiência. É o contexto da escola, a prática dos professores e a presença dos seus alunos que determinam o que deve ser abordado nos cursos de formação. Assim, o processo de formação deve oferecer condições para o professor construir conhecimento sobre as técnicas computacionais e entender por que e como integrar o computador na sua prática pedagógica.
As abordagens instrucionista e construcionista

O computador pode ser usado na educação como máquina de ensinar ou como máquina para ser ensinada. O uso do computador como máquina de ensinar consiste na informatização dos métodos de ensino tradicionais. Do ponto de vista pedagógico esse é o paradigma instrucionista. Alguém implementa no computador uma série de informações e essas informações são passadas ao aluno na forma de um tutorial, exercício-e-prática ou jogo. Além disso, esses sistemas podem fazer perguntas e receber respostas no sentido de verificar se a informação foi retida. Essas características são bastante desejadas em um sistema de ensino instrucionista já que a tarefa de administrar o processo de ensino pode ser executado pelo computador, livrando o professor da tarefa de correção de provas e exercícios. O esquema abaixo ilustra a abordagem instrucionista de uso do computador na educação.




Embora, nesse caso o paradigma pedagógico ainda seja o instrucionista, esse uso do computador tem sido caracterizado, erroneamente, como construtivista, no sentido piagetiano, ou seja, para propiciar a construção do conhecimento na "cabeça" do aluno. Como se o conhecimento fosse construído através tijolos (informação) que devem ser justapostos e sobrepostos na construção de uma parede. Nesse caso, o computador tem a finalidade de facilitar a construção dessa "parede", fornecendo "tijolos" do tamanho mais adequado, em pequenas doses e de acordo com a capacidade individual de cada aluno.

Com o objetivo de evitar essa noção errônea sobre o uso do computador na educação, Papert denominou de construcionista a abordagem pela qual o aprendiz constrói, por intermédio do computador, o seu próprio conhecimento (Papert, 1986). Ele usou esse termo para mostrar um outro nível de construção do conhecimento: a construção do conhecimento que acontece quando o aluno constrói um objeto de seu interesse, como uma obra de arte, um relato de experiência ou um programa de computador. Na noção de construcionismo de Papert existem duas idéias que contribuem para que esse tipo de construção do conhecimento seja diferente do construtivismo de Piaget. Primeiro, o aprendiz constrói alguma coisa ou seja, é o aprendizado por meio do fazer, do "colocar a mão na massa". Segundo, o fato de o aprendiz estar construindo algo do seu interesse e para o qual ele está bastante motivado. O envolvimento afetivo torna a aprendizagem mais significativa.

Entretanto, na minha opinião, o que contribui para a diferença entre essas duas maneiras de construir o conhecimento é a presença do computador -- o fato de o aprendiz estar construindo algo usando o computador (computador como máquina para ser ensinada). Nesse caso, o computador requer certas ações que são bastante efetivas no processo de construção do conhecimento (Valente, 1993).
Para explicar o que acontece nessa interação com o computador vou me concentrar, inicialmente, na tarefa de programar o computador para resolver um desenho usando o Logo gráfico (Tartaruga).

Quando o aluno usa o Logo gráfico para resolver um problema, sua interação com o computador é mediada pela linguagem Logo, mais precisamente, por procedimentos definidos usando a linguagem Logo de programação. Essa interação é uma atividade que consiste de uma ação de programar o computador ou de "ensinar" a Tartaruga a como produzir um gráfico na tela. O desenvolvimento do programa (procedimentos) se inicia com uma idéia de como resolver o problema ou seja, como produzir um determinado gráfico na tela. Essa idéia é passada para a Tartaruga na forma de uma seqüência de comandos do Logo. Essa atividade pode ser vista como o aluno agindo sobre o objeto "computador". Entretanto, essa ação implica na descrição da solução do problema usando comandos do Logo (procedimentos Logo).

O computador, por sua vez, realiza a execução desses procedimentos. A Tartaruga age de acordo com cada comando, apresentando na tela um resultado na forma de um gráfico. O aluno olha para a figura que está sendo construída na tela e para o produto final e faz uma reflexão sobre essas informações.

Esse processo de reflexão pode produzir diversos níveis de abstração, os quais, de acordo com Piaget (Piaget, 1977; Mantoan, 1991), provocará alterações na estrutura mental do aluno. O nível de abstração mais simples é a abstração empírica, que permite ao aluno extrair informações do objeto ou das ações sobre o objeto, tais como a cor e a forma do objeto. A abstração pseudo-empírica permite ao aprendiz deduzir algum conhecimento da sua ação ou do objeto. A abstração reflexiva permite a projeção daquilo que é extraído de um nível mais baixo para um nível cognitivo mais elevado ou a reorganização desse conhecimento em termos de conhecimento prévio (abstração sobre as próprias idéias do aluno).

O processo de refletir sobre o resultado de um programa de computador pode acarretar uma das seguintes ações alternativas: ou o aluno não modifica o programa porque as suas idéias iniciais sobre a resolução daquele problema correspondem aos resultados apresentados pelo computador, e, então, o problema está resolvido; ou depura o programa quando o resultado é diferente da sua intenção original. A depuração pode ser em termos de alguma convenção da linguagem Logo, sobre um conceito envolvido no problema em questão (o aluno não sabe sobre ângulo), ou ainda sobre estratégias (o aluno não sabe como usar técnicas de resolução de problemas).

A atividade de depuração é facilitada pela existência do programa do computador. Esse programa é a descrição das idéias do aluno em termos de uma linguagem simples, precisa e formal. Os comandos do Logo gráfico são fáceis de serem assimilados, pois são similares aos termos que são usados no dia-a-dia. Isso minimiza a arbitrariedade das convenções da linguagem e a dificuldade na expressão das idéias em termos dos comandos da linguagem. O fato de a atividade de programação em Logo propiciar a descrição das idéias como subproduto do processo de resolver um problema, não é encontrada em nenhuma outra atividade que realizamos. No caso da interação com o computador, à medida que o aluno age sobre o objeto, ele tem, como subproduto, a descrição das idéias que suportam suas ações. Além disso, existe uma correspondência direta entre cada comando e o comportamento da Tartaruga.

Essas caraterísticas disponíveis no processo de programação facilitam a análise do programa de modo que o aluno possa achar seus erros (bugs). O processo de achar e corrigir o erro constitui uma oportunidade única para o aluno aprender sobre um determinado conceito envolvido na solução do problema ou sobre estratégias de resolução de problemas. O aluno pode também usar seu programa para relacionar com seu pensamento em um nível metacognitivo. Ele pode analisar seu programa em termos de efetividade das idéias, estratégias e estilo de resolução de problema. Nesse caso, o aluno começa a pensar sobre suas próprias idéias (abstração reflexiva).

Entretanto, o processo de descrever, refletir e depurar não acontece simplesmente colocando o aluno em frente ao computador. A interação aluno-computador precisa ser mediada por um profissional que conhece Logo, tanto do ponto de vista computacional, quanto do pedagógico e do psicológico.

Esse é o papel do mediador no ambiente Logo. Além disso, o aluno como um ser social, está inserido em um ambiente social que é constituído, localmente, pelo seus colegas, e globalmente, pelos pais, amigos e mesmo a sua comunidade. O aluno pode usar todos esses elementos sociais como fonte de idéias, de conhecimento ou de problemas a serem resolvidos através do uso do computador.

As ações que o aluno realiza na interação com o computador e os elementos sociais que permeiam e suportam a sua interação com o computador estão mostrados no diagrama abaixo.


Questões para serem discutidas:
Como o ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição pode ser usado para explicar o que acontece quando o aprendiz usa um software de multimídia, um processador de texto, um software de autoria (software para o aprendiz construir sua própria multimídia)?
Quais são as teorias (ou parte das teorias) de aprendizagem que estão presentes no ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição?
Como o ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição pode ser usado em um processo de formação de professores?
Quais são os princípios da Interdisciplinaridade que estão presentes no ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição?

Referências Bibliográficas
MANTOAN, MTE. (1991) O Processo de Conhecimento - tipos de abstração e tomada de consciência. NIED-Memo, Campinas, São Paulo.
PAPERT, S. (1986) Constructionism: A New Opportunity for Elementary Science Education. A proposal to the National Science Foundation, Massachusetts Institute of Technology, Media Laboratory, Epistemology and Learning Group, Cambridge, Massachusetts.
PIAGET, J. (1977) Recherches sur L'abstraction Réfléchissante. Études d'épistemologie génétique. PUF,tome 2, Paris.
VALENTE, JA (1993). Computadores e Conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráfica da UNICAMP.
Outras Referências
MORAES, MC (1997). Informática Educativa no Brasil: uma história vivida e várias lições aprendidas. Revista Brasileira de Informática na Educação, Sociedade Brasileira de Informática na Educação, nº 1, pg. 19-44.
MORAES, MC (1997). O Paradigma Educacional Emergente. Campinas: Papirus Editora.
VALENTE, JA & Almeida, F.J. (1997). Visão Analítica da Informática na Educação: a questão da formação do professor. Revista Brasileira de Informática na Educação, Sociedade Brasileira de Informática na Educação, nº 1, pg. 45-60.
VALENTE, JA (1996). O Professor no Ambiente Logo: formação e atuação. Campinas: Gráfica da UNICAMP.

José Armando Valente (jvalente@turing.unicamp.br) é coordenador do núcleo de informatica aplicada à educação da Unicamp. Vice-presidente da SIBE – Sociedade Brasileira de Informática Educacional.

TECNOLOGIAS INTELECTUAIS E MODOS DE CONHECER: NÓS SOMOS O TEXTO *

Pierre Lévy

O que acontece quando lemos ou escutamos um texto? Em primeiro lugar, o texto é perfurado, ocultado, permeado de brancos. São as palavras, os pedaços de frases que não ouvimos (não só no sentido perceptivo, mas também intelectual do termo). São os fragmentos de texto os quais não compreendemos, não tomamos em conjunto, não reunimos uns aos outros, negligenciamos. Paradoxalmente, ler, escutar, é começar por negligenciar, por não ler ou desligar o texto.  
Ao mesmo tempo em que rasgamos o texto pela leitura, nós o ferimos. Nós o recolocamos sobre ele mesmo. Nós relacionamos, umas às outras, as passagens que se correspondem. Os pedaços dispersos sobre a superfície das páginas ou na linearidade do discurso, nós os costuramos em conjunto: ler um texto é reencontrar os gestos textuais que lhe deram seu nome.  
As passagens do texto estabelecem virtualmente uma correspondência, quase uma atividade epistolar que nós, bem ou mal, atualizamos, seguindo ou não, aliás, as instruções do autor. Produtores do texto, viajamos de um lado a outro do espaço de sentido, apoiando-nos no sistema de referência e de pontos, os quais o autor, o editor, o tipógrafo balizaram. Podemos, entretanto, desobedecer às instruções, tomar caminhos transversais, produzir dobras interditas, nós de redes secretos, clandestinos, fazer emergir outras geografias semânticas. 
Tal é o trabalho da leitura: a partir de uma linearidade ou de uma superficialidade inicial, rasgar, ferir, entortar, redobrar o texto, para abrir um meio vivo onde possa desplugar-se o sentido. O espaço do sentido não preexiste à leitura. É percorrendo-a, cartografando-a que nós o fabricamos.  
No entanto, enquanto redobramos o texto sobre ele mesmo, produzindo assim sua relação consigo mesmo, sua vida autônoma, sua aura semântica, nós o reportamos também a outros textos, a outros discursos, a imagens, a sentimentos, a toda a imensa reserva flutuante de desejos e de signos que nos constituem. Aqui, não é a unidade do texto que está em jogo, mas a construção de nós mesmos, construção sempre a refazer, inacabada. Não é mais o sentido do texto que nos ocupa, mas a direção e a elaboração de nosso pensamento, a precisão de nossa imagem do mundo, o resultado de nossos projetos, o despertar dos nossos prazeres, o fio de nossos sonhos. Desta forma, o texto não é mais amarrotado, redobrado em rolo sobre ele mesmo, mas decupado, pulverizado, distribuído, avaliado segundo os critérios de uma subjetividade nascida de si mesma. 
Do texto, logo nada mais resta. Ou melhor, graças a ele retocamos nossos modelos de mundo. Ele nos serviu, talvez, apenas para fazer entrar em ressonância algumas imagens, algumas palavras que nós já possuíamos. Por vezes, relacionamos um de seus fragmentos, investido de uma intensidade especial, a tal zona de nossa arquitetura mnemônica, um outro a tal pedaço de nossas redes intelectuais. Ele nos serviu de interface conosco mesmos. Apenas muito raramente nossa leitura, nossa escuta, terá como efeito reorganizar dramaticamente, como por um tipo de efeito de limite violento, o bolo misturado de representações e de emoções que nos constitui.  
Escutar, olhar, ler, voltam finalmente a se construir. Na abertura em direção ao esforço de significação que vem de outro, trabalhando, atravessando, amassando, decupando o texto, incorporando-o a nós, destruindo-o, nós contribuímos para erigir a paisagem de sentido que nos habita. Confiamos, por vezes, alguns fragmentos do texto aos conjuntos de signos que se movimentam em nós. Estes ensinamentos, estas relíquias, estes fetiches ou esses oráculos não têm nada a ver com as intenções do autor nem com a unidade semântica viva do texto. Eles, contribuem, porém, para criar e recriar o mundo de significações que nós somos.  
Até agora, não pronunciei a palavra hipertexto. No entanto, não se tratou senão disto. As tecnologias intelectuais, quase sempre, exteriorizam e reificam uma função cognitiva, uma atividade mental. Assim fazendo, elas reorganizam a economia ou a ecologia intelectual em seu conjunto e modificam em retorno a função cognitiva a qual pressupunha-se somente assistir e reforçar. As relações entre a escritura (tecnologia intelectual) e a memória (função cognitiva) estão aí para testemunhar.  
A chegada à escritura acelerou um processo de artificialização e de exteriorização da memória que sem dúvida começou com a hominização. Seu uso massivo transformou o rosto de Mnemósina.(1)Acabamos por conceber a lembrança como um registro.  
A semi-objetivação da memória no texto sem dúvida permitiu o desenvolvimento de uma tradição crítica. Com efeito, a escrita cruza uma distância entre o saber e seu sujeito. É talvez porque eu não sou mais o que eu sei que eu posso recolocá-lo em questão. A escritura fez surgir assim um dispositivo de comunicação, no qual as mensagens são muito freqüentemente separadas no tempo e no espaço de sua fonte de emissão e então recebidas fora do contexto. Do lado da leitura, foi preciso então refinar as práticas interpretativas. Do lado da redação, devemos imaginar sistemas de enunciados auto-suficientes, independentes do contexto.  
Com a escritura, e mais ainda com o alfabeto e a impressão, as formas de conhecimento teóricas e hermenêuticas avançaram sobre os saberes narrativos e rituais das sociedades orais. A exigência de uma verdade universal, objetiva e crítica, não pôde se impor senão em uma ecologia cognitiva grandemente estruturada pela escrita.  
Sabemos que os primeiros textos alfabéticos não separavam as palavras. Apenas muito lentamente foram sendo inventados os brancos entre os vocábulos, a pontuação, os parágrafos, as claras divisões em capítulos, os sumários das matérias, os índices, a arte de colocar na página, a rede de remissões de enciclopédias e dicionários, as notas de pé-de-página – em suma tudo o que facilita a leitura e a consulta de documentos escritos. Contribuindo para dobrar os textos, estruturá-los, articulá-los para além de sua linearidade, estas tecnologias auxiliares compõem o que nós poderíamos chamar de aparelho de leitura artificial.  
O hipertexto, a hipermídia ou a multimídia interativa percorrem um processo já antigo de artificialização da leitura. Se ler consiste em selecionar, esquematizar, construir uma rede de remissões internas ao texto, em associar a outros dados, em integrar as palavras e as imagens para uma memória pessoal em reconstrução permanente, então os dispositivos hipertextuais constituem uma espécie de reificação, de exteriorização dos processos de leitura. Já o vimos, a leitura artificial existe desde muito tempo. Que diferença podemos estabelecer entre o sistema que estava estabilizado sobre as páginas dos livros e dos jornais e aquele que se inventa hoje sobre as relações digitais? Em relação às técnicas anteriores, a digitalização introduz primeiro uma pequena revolução copernicana: não é mais o leitor que segue as instruções da leitura e se desloca no texto, mas é, de hoje em diante, um texto móvel, caleidoscópio que apresenta suas facetas, gira, torna e retorna à vontade diante do leitor.  
De outra parte, a escritura e a leitura mudam seus papéis. Aquele que participa na estruturação do hipertexto, no traçado pontilhado das possíveis pregas do sentido, é já um leitor. Simetricamente, aquele que atualiza um percurso ou manifesta tal ou qual aspecto da reserva documentária contribui para a redação, encontra momentaneamente uma escrita interminável. As costuras e remissões, os caminhos de sentido originais que o leitor inventa podem ser incorporados à estrutura mesma dos corpus. A partir do hipertexto, toda leitura é uma escritura potencial. Mas sobretudo os dispositivos hipertextuais e as redes digitais desterritorializaram o texto. Eles fizeram emergir um texto sem fronteiras próprias, sem interioridade definível. Existe agora o texto, como se diz da água ou da areia.  
O texto é colocado em movimento, tomado em um fluxo, vetorizado, metamórfico. Está assim mais próximo do movimento mesmo do pensamento, ou da imagem que nós dele fazemos hoje. O texto subsiste sempre, mas a página se oculta. A página, isto é, o pagus latino, o campo, o território situado pelo branco das margens, lavrada de linhas e semeada pelo autor de letras, caracteres. A página, pesada ainda da argila mesopotâmica, aderindo sempre à terra do neolítico, esta página muito antiga, se oculta lentamente sob a alta superfície informacional, seus signos desligados vão rejuntar a onda numérica (digital). Tudo se passa como se a numerização (digitalização) estabelecesse uma espécie de imenso plano semântico, acessível em todo lugar, para o qual cada um poderia contribuir para produzir, dobrar diversamente, retomar, modificar, redobrar... Há necessidade de o sublinhar? 
As formas econômicas e jurídicas herdadas do período precedente impedem hoje o movimento de desterritorialização de ir até seu fim. A interpretação, quer dizer, a produção de sentido, não remete mais, desde então, à interioridade de uma intenção, nem a hierarquias de significações esotéricas, mas antes à apropriação sempre singular de um navegador. O sentido emerge de efeitos de pertinências locais, ele surge na intersecção de um plano semiótico desterritorializado e de uma mira de eficácia ou de prazer. Eu não me interesso mais sobre o que pensou um autor ausente, eu quero que o texto me faça pensar, aqui e agora. Nós chegamos aqui no limite das noções de texto e de leitura. Para ultrapassar a fronteira, para tentar compreender o que se joga além dela, proponho uma experiência de pensamento.  
Suponhamos que nós não tivéssemos inventado ainda a escritura e que extraterrestres tivessem colocado à nossa disposição todos os medias de comunicação contemporâneos, aí compreendido o suporte dinâmico, interativo, dotado de memória e de capacidade de cálculo autônomo que constitui a tela do computador. Os extraterrestres nos sugerem inventar um sistema de signos para nos ajudar a pensar e a registrar nossos pensamentos. Nestas circunstâncias, que gênero de escritura deveríamos colocar em questão? Seria o alfabeto? Certamente não, uma vez que o alfabeto – vogais e consoantes – é, grosso modo, um sistema de notação de som e que nós já dispomos de inúmeros aparelhos para registrar e restituir a voz. De que serviria passar anos a aprender o uso de um sistema de notação visual do som, uma vez que nós já o podemos gravar, reproduzir e, sobretudo, graças ao endereçamento numérico (digital), navegar na matéria sonora à vontade? O alfabeto foi inventado em uma época em que o gravador não existia. Na Antigüidade e na Idade Média, utilizavam-se os textos alfabéticos quase como fitas magnéticas, uma vez que as pessoas deveriam ler em voz alta e então ouvir o som para compreender o sentido. Mas como testemunham os ideogramas chineses, a escritura, para ser notação do pensamento, não é necessariamente um registro fiel do som das palavras.  
Como o mostram as cifras árabes e a notação matemática em geral, uma escritura pode ser independente das línguas. Se nos reportarmos à nossa experiência imaginária, ficará claro que nossos extraterrestres nos sugerem inventar uma escritura, um sistema de signos, uma tecnologia intelectual que, de um lado, não faça duplo emprego dos medias fundados sobre a captura imediata da imagem e do som e que, de outro lado, explore todas as possibilidades abertas pelas telas gráficas interativas, ou seja, através das realidades virtuais multimodais em três dimensões. A maioria dos sistemas de signos conhecidos até hoje – alfabético, ideográfico, mistos ou outros – foram imaginados quando se dispunha apenas de suportes estáticos fixos. Observamos que os multimedias ou hiperdocumentos contemporâneos contentam-se, muito freqüentemente, em retomar os signos inventados para outros suportes (escrituras diversas, cartas ou esquemas estáticos, imagens de vídeo, sons gravados) e colocá-los em rede. Eles promovem uma navegação nova em uma reserva semiótica antiga. Eles desterritorializam o estoque de signos já disponíveis. Nada de espantoso nisto, uma vez que os novos suportes interativos saíram dos laboratórios e têm existência social efetiva há menos de dez anos. Dez anos! Quase nada em relação à escala de evolução cultural, muito menos tempo do que foi necessário a uma civilização para inventar uma escritura nova e remanejar, de um só golpe, seu dispositivo de comunicação, de produção e de transmissão de conhecimentos. No entanto, temos já sob os olhos, nos dois extremos da hierarquia cultural, as premissas da nova escritura.  
Do lado da pesquisa científica, visualizam-se sobre as telas os modelos numéricos (digitais) dos fenômenos. As simulações gráficas interativas impuseram-se como indispensáveis ferramentas da imaginação auxiliada por computador. Nem experiência nem teoria, a simulação – verdadeira industrialização da experiência do pensamento – abriu uma terceira via à descoberta e à aprendizagem, desconhecida dos epistemólogos. O modelo numérico (digital) o qual projeta sobre a tela sua imagem dinâmica releva uma forma de escritura, mas certamente não da notação da palavra. Não se ouve o som, mas o modelo mental. E como modelo mental, ele é interativo, explorável, móvel, modificável, fortemente articulado sobre mil reservas de dados. Na outra extremidade da escala, os videogames oferecem os modelos interativos a explorar. Eles simulam terrenos de aventuras, universos imaginários. Certo, trata-se de puro divertimento. Mas como não ser tocado pela coincidência dos extremos: o pesquisador que faz proliferar os cenários, explorando modelos numéricos (digitais), e a criança que joga um videogame experimentam, ambos, a escritura do futuro, a linguagem de imagens interativas, a ideografia dinâmica que permitirá simular os mundos.  
Antes de condenar os videogames, os humanistas, os pedagogos, os criadores, os autores, deveriam valer-se desta nova escritura e produzir com ela obras dignas desse nome, inventar novas formas de saber e exploração que lhes correspondam, dar-lhes seus títulos de nobreza. Nada seria pior do que uma situação em que as pessoas de cultura se crispassem sobre o território do texto alfabético, enquanto a linguagem do futuro seria deixada aos técnicos e comerciantes. A barbárie nasceu quase sempre da separação. Existe um conhecimento por simulação, muito diferente dos estilos teóricos e hermenêuticos que se apoiavam sobre a escritura estática. Esses critérios principais não são sem dúvida mais aqueles da verdade crítica, universal e objetiva, mas antes aqueles da potência de bifurcação e de variação, da capacidade de mutação, de operatividade, de pertinência local, contextual.  
Com efeito, os meios de comunicação contemporâneos instauraram uma ecologia de mensagens muito diferente daquela que prevaleceu até a metade do século XX. Certo, não nos banhamos jamais duas vezes no mesmo rio informacional, mas a densidade das ligações e a rapidez das circulações são tais que os atores da comunicação não têm maiores dificuldades em dividir o mesmo contexto. Daí, a pressão de universalidade e objetividade diminuiu. Como o tinha pressentido Mac Luhan, reencontramos, mas sobre uma outra órbita, a um nível de energia superior, certas condições de comunicação que reinaram nas sociedades orais. A história cruzada de suportes materiais e da relação ao saber poderia ser esquematicamente representada pelas interferências e os cavalgamentos de quatro ideais-tipos. Primeiro tipo: nas sociedades anteriores à escritura, o saber prático, mítico e ritual foi encarnado pela comunidade viva. Quando um velho morre, é uma biblioteca que queima. Segundo tipo: com o advento da escritura, o saber é carregado pelo livro, único, indefinidamente interpretável, transcendente, suposto que contém tudo: a Bíblia, o Corão, os textos sagrados, os clássicos, Confúcio, Aristóteles... Terceiro tipo – desde a prensa até essa manhã: aquela da enciclopédia. Aqui, o saber não é mais carregado pelo livro, mas pela biblioteca. Ele é estruturado por uma rede de remissões, perseguida talvez, desde sempre, pelo hipertexto. A desterritorialização da biblioteca a que assistimos hoje não é talvez senão o prelúdio à aparição de um quarto tipo de relação com o conhecimento.  
Por uma espécie de retorno em espiral à oralidade das origens, o saber poderia ser de novo tomado pelas coletividades humanas vivas antes que por suportes separados. Somente esta vez, o portador direto do saber não seria mais a comunidade física e sua memória carnal, mas o cyberspace, a região dos mundos virtuais por intermédio da qual esta comunidade conheceria seus objetivos e se conheceria ela mesma como inteligência coletiva. Aqui, não visamos mais o futuro do texto clássico como na primeira parte de meu discurso, nem a invenção de uma nova escritura como na segunda parte, mas, para terminar, o basculamento em direção a toda uma outra ecologia da comunicação. A reunião dos documentos numerizados (digitalizados), programas inteligentes, de sistemas à base de conhecimentos, de suportes de simulação e de multimídias interativos, é já virtualmente realizada pela interconexão mundial de memórias informáticas. As mensagens eletrônicas construíram uma rede de comunicação internacional na qual se podem trocar e comentar toda sorte de dados. Mas como se orientar neste cyberspace onde correm mensagens e informações de toda ordem? Como se localizar em um fluxo? É preciso tentar desesperadamente fixar a forma do espaço científico, traçar as fronteiras das disciplinas? É preciso hierarquizar o essencial e o acessório? Mas, segundo qual critério? Para quem e por quanto tempo? Não é preciso antes se resolver a considerar o conhecimento como um espaço contínuo e flutuante, o mesmo para todos e diferente para cada um? Por que não projetar uma galáxia de mundos virtuais, exprimindo a diversidade dos saberes humanos, que não estaria organizado a priori, mas refletiria, ao contrário, os percursos e os usos de seus exploradores?  
Quase vivas, essas cosmopedias(2) seriam estruturadas e reestruturadas, cartografadas e recartografadas em tempo real pela escritura e a leitura coletivas. Assim, o cyberspace de uma comunidade se reorganizaria automaticamente em função da relação movente que seus membros estabeleceriam com a massa de conhecimentos disponíveis. Desde que o indivíduo mergulhasse em uma cosmopedia, todo o espaço do saber reordenar-se-ia em torno dele, segundo sua história, seus interesses, suas interrogações, suas enunciações anteriores. Tudo o que a ele se referisse estaria próximo, ao alcance da mão. O que lhe importasse pouco distanciar-se-ia. As distâncias aí seriam subjetivas, as proximidades refletiriam as significações em contexto. As cosmopedias do século XXI não fariam mais as pessoas girarem em torno do saber, mas o saber em torno das pessoas.  
O dispositivo das árvores de conhecimentos(3)doravante tecnicamente disponível é a prefiguração deste projeto. Até agora, visaram-se sobretudo realidades virtuais que simulavam os espaços físicos. Ora, eu falo aqui de produções de espaços simbólicos, que exprimiriam sob forma de mundos virtuais as significações e o saberes próprios a uma coletividade. Esses espaços virtuais, com a implicação direta e a componente tátil que a palavra sugere, exprimiriam em tempo real os conhecimentos, os interesses, os atos de comunicação da coletividade. Na perspectiva dos mundos virtuais de significações divididas, a comunicação não é mais concebida como difusão de mensagens, troca de informação, mas como emergência continuada de uma inteligência coletiva. Não se deve, evidentemente, concebê-la como uma fusão de inteligências individuais em uma espécie de magma indistinto, mas, ao contrário, como um processo de crescimento, de diferenciação, de ramificação e de retomada mutual de singularidades.  
Os instrumentos numéricos (digitais) oferecem a possibilidade de uma evolução em direção a uma maior democracia em relação ao saber. Mas nada é garantido. A hora na qual cada um reconhece que o conhecimento é o fundamento do poder, quando se repete por todos os lugares que a capacidade de aprender e de inventar sustenta o poder econômico, não há talvez outra via para uma renovação da democracia que não imaginar e colocar em obra formas não-excludentes de relação com o saber. Com este objetivo, a ideografia dinâmica, a cosmopedia, os mundos virtuais de significação dividida, o cyberspace para a inteligência coletiva são utopias que proponho à discussão crítica. Se nunca tais possibilidades virem o dia, então o Livro, a biblioteca, o imenso corpus proliferante e louco do saber, cessariam de nos sobrepor e de nos desenganar. A transcendência do texto começaria a declinar. Nós seríamos, talvez, menos irradiados pelo espetáculo mediático. A imanência do saber à humanidade que o produz e o utiliza, a imanência do povo ao texto, tornar-se-ía mais visível.  
Por intermédio dos espaços virtuais que os exprimiriam, os coletivos humanos se jogariam a uma escritura abundante, a uma leitura inventiva deles mesmos e de seus mundos. Como certos manifestantes desse fim de século gritaram nas ruas “Nós somos o povo”, poderemos então pronunciar uma frase um pouco bizarra, mas que ressoará de todo seu sentido quando nossos corpos de saber habitarem o cyberspace: “Nós somos o texto.” E nós seremos um povo tanto mais livre quanto mais nós formos um texto vivo. 
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* Tradução de Celso Cândido. Assistência e consultoria de termos técnicos por João Batista. Edição-de-texto por Cássia Corintha Pinto.  
(1) Personificação mitológica da memória.  
(2) Cf. A Cosmopedia, uma utopia hipervisual (La Cosmopédie, une utopie hypervisuelle) – em colaboração com Michel Authier, in Culture Technique no. 24, abril 1992, consagrado às “maquinas de comunicação”, pp. 236-244.  
(3) Se encontrará a descrição disso no livro de Michel Authier e Pierre Lévy, As Arvores do conhecimento, op. cit. 

A EMERGÊNCIA DO CYBERSPACE E AS MUTAÇÕES CULTURAIS*

Pierre Lévy

O que seria o espaço cibernético? O espaço cibernético é um terreno onde está funcionando a humanidade, hoje. É um novo espaço de interação humana que já tem uma importância enorme sobretudo no plano econômico e científico e, certamente, essa importância vai ampliar-se e vai estender-se a vários outros campos, como por exemplo na Pedagogia, Estética, Arte e Política. O espaço cibernético é a instauração de uma rede de todas as memórias informatizadas e de todos os computadores. Atualmente, temos cada vez mais conservados, sob forma numérica e registrados na memória do computador, textos, imagens e músicas produzidos por computador. Então, a esfera da comunicação e da informação está se transformando numa esfera informatizada. O interesse é pensar qual o significado cultural disso. Com o espaço cibernético temos uma ferramenta de comunicação muito diferente da mídia clássica, porque é nesse espaço que todas as mensagens se tornam interativas, ganham uma plasticidade e têm uma possibilidade de metamorfose imediata. E aí, a partir do momento que se tem o acesso a isso, cada pessoa pode se tornar uma emissora, o que obviamente não é o caso de uma mídia como a imprensa ou a televisão. Então, daria para a gente fazer uma tipologia rápida dos dispositivos de comunicação onde há um tipo em que não há interatividade porque tem um centro emissor e uma multiplicidade de receptores. Esse primeiro dispositivo chama-se Um e Todo.
Uma outra versão é o tipo Um e Um, que não tem uma emergência do coletivo da comunicação, como é o caso do telefone. O espaço cibernético introduz o terceiro tipo, com um novo tipo de interação que a gente poderia chamar de Todos e Todos, que é a emergência de uma inteligência coletiva. Do interior do espaço cibernético encontramos uma variedade de ferramentas, de dispositivos, de tecnologias intelectuais. Por exemplo, um aspecto que se desenvolve cada vez mais, nesse momento, é a inteligência artificial. Há também os hipertextos, os multimídia interativos, simulações, mundos virtuais, dispositivos de tele-presença. É preciso não esquecer, por outro lado, que a própria mídia hoje está numa hibridação com o espaço cibernético, onde ela se vê obrigada a se abrir para isto... Mas, o que há de comum entre todas essas tecnologias, entre todas essas formas de mensagens? O que implica uma mensagem numerada e os outros tipos de mensagens? Uma mensagem numeralizada se caracteriza pelo fato de que se pode controlar essa estrutura de perto e de maneira muito fina. Então, os bits da informática são como gens na genética, isto é, a microestrutura. Fazem parte de um conjunto de tecnologia e vão em direção a um controle molecular de seu objeto, o que dá uma fluidez a todas essas mensagens e lhes dá também a possibilidade de uma circulação muito rápida. O que há em comum em todas as bases nos bancos de dados do espaço cibernético? Não são as mensagens fixas, mas um potencial de mensagens e que, dependendo de quem vai utilizá-los, vai para uma direção ou outra. O que acontece é que, com isso, se recupera a possibilidade de ligação com um contexto que tinha desaparecido com a escrita e com todos os suportes estáticos de formação. É possível através disso reencontrar uma comunicação viva da oralidade, só que, evidentemente, de uma maneira infinitamente mais ampliada e complexificada. Por exemplo, é isto que observamos com o que acontece, hoje, com o hipertexto ou multimídia interativa. O importante é que a informação esteja sob forma de rede e não tanto a mensagem porque esta já existia numa enciclopédia ou dicionário.   
Portanto, a verdadeira mutação se passa noutros aspectos. Em primeiro lugar, não é mais o leitor que vai se deslocar diante do texto, mas é o texto que, como um caleidoscópio, vai se dobrar e se desdobrar diferentemente diante de cada leitor. O segundo ponto é que tanto a escrita como a leitura vão mudar o seu papel, porque o próprio leitor vai participar da mensagem na medida em que ele não vai estar apenas ligado a um aspecto. O leitor passa a participar da própria redação do texto à medida que ele não está mais na posição passiva diante de um texto estático, uma vez que ele tem diante de si não uma mensagem estática, mas um potencial de mensagem. Então, o espaço cibernético introduz a idéia de que toda leitura é uma escrita em potencial. O terceiro ponto que, sem dúvida, é o mais importante, é que estamos assistindo uma desterritorialização dos textos, das mensagens, enfim, de tudo o que é documento: tanto o texto como mensagem se tornam uma matéria.     
Assim como se diz “tem areia”, “tem água” se diz “tem textos”, “tem mensagens” pois eles se tornam matérias como se fossem fluxos justamente porque o suporte deles não é fixo, porque no seio do espaço cibernético qualquer elemento tem a possibilidade de interação com qualquer outro elemento presente. Então, isso não é uma utopia daqueles que experimentaram, conhecem e participam da Internet. É como se todos os textos fizessem parte de um texto, só que é o hipertexto, um autor coletivo e que está em transformação permanente. É como se todas as músicas passassem a fazer parte de uma mesma polifonia virtual e potencial, como se todas as músicas fizessem parte de uma só música, também ela virtual e potencial. Acredito que o texto não vai absolutamente desaparecer com a informatização. O que vai desaparecer é a noção de página, porque na etimologia a página se refere a um campo e um campo com proprietário, com fronteiras delimitadas . Esta página com o campo circunscrito está desaparecendo uma vez que os elementos que a compõem navegam nos fluxos.     
O espaço cibernético envolve, portanto, dois fenômenos que estão acontecendo ao mesmo tempo: a numerizaqção que implica essa plasticidade de potencial de todas as mensagens seria o primeiro aspecto e o fato de que as mensagens potenciais são postas em rede e fluxo é o segundo fenômeno.     
Desta forma, o espaço cibernético está se tornando um lugar essencial, um futuro próximo de comunicação humana e de pensamento humano. O que isso vai se tornar em termos culturais e políticos permanece completamente em aberto, mas, com certeza, dá para ver que isso vai ter implicações muito importantes no campo da educação, do trabalho, da vida política, das questões dos direitos, como por exemplo, no direito de propriedade. Hoje não se pode ter um projeto técnico se você não tiver uma visão cultural organizadora desse projeto, assim como não se pode ter um projeto cultural sem incluir a técnica. Por isto, é difícil estar distinguindo essas dimensões sociais, culturais e técnicas.     
O espaço cibernético se encontra também na origem de uma nova arquitetura, de um novo urbanismo. Poderíamos até dizer de uma nova política porque se trata de uma nova pólis que está se constituindo. É assim que pedagogos, artistas, psicólogos, etc, que geralmente não se interessavam por fenômenos técnicos tem passado a se preocupar com estes problemas. O novo equipamento coletivo de sensibilidade, de inteligência, de relação social está, de fato, nascendo em silêncio. Trata-se de um equipamento coletivo de subjetivação. Para falar do critério de escolha em relação a essa questão da técnica, o critério que este novo equipamento propõe é um critério de escolha ética e política.     
O interessante nas possibilidades que se abrem com a emergência de uma nova inteligência a partir disto é que se trata de uma inteligência coletiva, ou seja, estamos na direção de uma potencialização da sensibilidade, da percepção, do pensamento, da imaginação e isso tudo graças a essas novas formas de cooperação e coordenação em tempo real. Trata-se de equipamentos que podem ajudar o aprendizado e a aquisição de saberes. Então, o inimigo necessário de ser evitado é o isolamento, a separação. É preciso pensar em equipamentos de comunicação que, ao invés de fazer uma difusão como a mídia tradicional (difusão de uma mensagem por toda parte), faz com que esses dispositivos estejam à escuta e restituam toda a diversidade do presente no social. Uma outra coisa que é possível explorar é o fato de que estes equipamentos favorecem a emergência da autonomia, tanto de indivíduos quanto de grupos, onde o inimigo é a dependência.     
É preciso imaginar, então, que a partir desses sistemas de comunicação quanto mais eles sejam utilizados mais eles se aperfeiçoam, se desenvolvem, ficam melhores. O que acontece hoje é o contrário: as informações vão se degladiando e cada um fica perdido nessa massa de informações. Com as redes, podemos pensar equipamentos de tecnologia que possam permitir que cada um se beneficie dessa inteligência.     
Eu vou colocar alguns exemplos em campos diferentes, como a semiótica, epistemologia, artes e política. Começando pela semiótica eu vou propor um exercício de pensamento. Suponhamos que a gente dispõe de todos esses equipamentos atuais mas não se tem uma escrita alfabética, por exemplo. Vamos imaginar que fosse preciso inventar uma escrita não dispondo da escrita alfabética e sim dispondo de todos esses equipamentos. Seria uma escrita alfabética o que inventaríamos? Eu acho que não, porque a escrita alfabética serve par anotar o som. Hoje, a gente tem infinitos meios de gravar o som e não precisamos mais de uma escrita alfabética. Mas há também escritas que vão colocar conceitos ou idéias como é o caso dos ideogramas chineses ou as escritas matemáticas.     
Quando o alfabeto foi inventado só se dispunha de suportes fixos e, no entanto, agora dispomos de suportes de outro tipo. Eu acho que a gente está longe de ter explorado o que essa variedade de novos suportes permite. O que se costuma fazer é produzir imagens na multimídia que tem a ver com o suporte estático anterior. Hoje, por outro lado, se poderia estar inventando o que se chama de ideografia dinâmica, que explora completamente a inteligência e o caráter dinâmicos desses novos suportes, constituindo-se numa introdução a modelos mentais com toda sua plasticidade e dinamismo. Isso se encontra nos jogos de vídeo, que é o começo de uma linguagem animada. Mesmo quando o conteúdo cultural dos jogos de vídeo não seja extraordinário há, sem dúvida, um potencial muito interessante. A partir desse modelo a gente vê surgir novas formas de conhecimento por simulação que é muito diferente do estilo teórico hermenêutico que se apóia no estático, na verdade universal e em critérios de objetividade. Os novos critérios têm, ao contrário, a capacidade de mudar em função do contexto local. Quanto ao aspecto epistemológico algo interessante também acontece. Em linhas gerais, podemos dizer que a humanidade desenvolveu quatro ideais ou tipos de relação com o saber. Antes da escrita, o saber era ritual, místico e encarnado por uma comunidade viva. Tem um ditado africano que diz que quando um velho morre é uma biblioteca que pega fogo, que se incendia. Temos um segundo tipo ideal de relação com o saber que é o ligado à escrita, o saber trazido pelo livro. Em geral é um livro único suposto a conter tudo, como por exemplo, a Bíblia. Aí a figura do conhecimento não é mais o velho, mas o comentador, o intérprete.     
Com o advento da imprensa, há um novo tipo ideal que não é mais o livro mas a biblioteca. Como vocês sabem as enciclopédias do século XVIII, na França, já eram verdadeiras bibliotecas porque eram volumes e mais volumes. Cada palavra, cada tema remetia um a outro e, assim, já era uma espécie de hipertexto, cuja navegação na biblioteca já era muito diferente do que o livro. Do comentador e intérprete passamos à figura do sábio ou erudito.     
Hoje, entretanto, estamos assistindo à desterritorialização da biblioteca. É como se estivéssemos voltando às origens, onde o portador do saber era a comunidade viva, claro que de uma forma muito mais ampliada e diferenciada. Atualmente, o hipertexto não consegue conter a velocidade com que circula a informação. Como a informação é fluxo é como se o coletivo novamente fosse portador do conhecimento.     
Então, o novo portador do saber no nosso novo horizonte seria a própria humanidade. Estamos falando não da humanidade no sentido genérico mas de uma humanidade viva enquanto espaço cibernético. O espaço cibernético aqui é entendido como esse espaço virtual onde a comunidade conhece a si mesma e conhece seu próprio mundo, porque são duas faces da mesma coisa. Não se trata mais de uma enciclopédia mas de uma espécie de plasmopédia, isto é, um espaço de saber vivo e dinâmico (para quem teve a oportunidade de conhecer o projeto das árvores de conhecimento que eu apresentei ontem, é justamente essa perspectiva que se encontra aí exemplificada).     
Eu vou concluir com algumas observações no campo político. A configuração dominante da esfera política hoje é a mídia com essa estrutura triangular - mídia, sondagens, eleição - onde cada ponto reforça ao outro. As pesquisas reforçam a mídia, a mídia reforça as pesquisas, que reforça a eleição e por aí vai, numa estrutura fechada a três. É uma espécie de estrutura em estrêla onde se tem um centro, que parte lá de cima e depois uma periferia na base.     
Desta forma, as questões que são colocadas nestas pesquisas para a eleição já chegam prontas e aquele que responde tem a possibilidade de pensar e se colocar, dizendo sim ou não. O outro elemento do triângulo é o das eleições, onde eu voto como representante, onde cada pessoa que vota participa de uma balança e o voto vai ajudar a balança a pender para um ou outro lado. O que se faz, nestes casos, é utilizar uma espécie de poder de massa para que uma ou outra pessoa, um ou outro programa chegue ao poder. Para isto, não se utiliza praticamente nada no sentido de trabalhar a imaginação e a inteligência das pessoas.     
Então, não se tem o majoritário mas, por outro lado, a singularidade é algo que é apagada. Hoje, com a emergência do espaço cibernético podemos imaginar a emergência da imaginação e da inteligência das pessoas de uma outra forma, onde as pessoas não vão estar separadas entre si e ligadas todas em relação ao centro, mas onde serão multiplicadas as conexões transversais entre eles. E, nesse espaço de elaboração e decisão política, poderão se constituir maiorias e minorias diferentes para cada problema: cada problema vai constituir uma maioria e uma minoria. Aí, o pertencimento político não vai remeter a uma categoria massiva, a priori. Ele vai dizer respeito a uma configuração singular dentro de uma geografia de problemas limitada e construída permanentemente pela própria coletividade.     
Temos, portanto os meios de restauração de uma democracia direta e em grande escala, porque, até agora, a democracia direta só podia funcionar em pequena escala, fazendo com que para milhares de pessoas espalhadas em territórios mais distantes não fossem envolvidas. Com o uso de novos instrumentos técnicos dá para fazer uma democracia direta distinta do sistema de representação (cuja organização política remete a um centro de decisão e que está completamente obsoleta na medida em que é tecnicamente obsoleto que as decisões sejam centralizadas).     
    
* Palestra realizada no Festival Usina de Arte e Cultura, promovido pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, em Outubro, 1994.Tradução Suely Rolnik. Revisão da tradução transcrita    
João Batista Francisco e Carmem Oliveira.